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Ao longo da minha existência, um tema que sempre permeou minhas reflexões é o ato de lidar com a morte. Confesso que jamais encontrei uma resposta concreta ou definitiva para enfrentar essa inevitável faceta da vida. A experiência pessoal que carrego tem sido, por vezes, interpretada pelos outros de maneira fria e distante, ainda que eu seja alguém que sente intensamente cada emoção. Talvez a fé, latente e oculta em mim, tenha sido o meu refúgio, o alívio necessário para aceitar que certas coisas simplesmente são como são, imutáveis e intrínsecas ao ciclo da vida.
A morte, o fim da jornada terrena, é um mistério que desafia os vivos. Nenhuma religião, por mais consoladora que seja, parece oferecer explicações suficientemente eficazes para apaziguar o coração humano. Essa lacuna torna o luto um território nebuloso, onde convivem perguntas profundas e respostas insuficientes.
Ao observar o cotidiano, vemos pessoas que relutam em “deixar partir” aqueles que amam. O que as impede? O amor, em sua grandiosidade, parece ser também a raiz de uma resistência à aceitação do irreversível. Para quem cultiva a fé cristã e se declara seguidor dos desígnios divinos, não seria a espiritualidade suficiente para compreender e acolher o “tempo de Deus”? Ser cordeiro do Senhor não deveria significar, ao menos em teoria, estar preparado para a despedida?
As perguntas sobre o que ocorre após a morte permanecem entrelaçadas ao medo e à incerteza. Diversos fatores colaboram para tornar o processo do luto uma experiência árdua: o emocional, o histórico cotidiano, o financeiro e o psicológico são elementos que tecem o pano de fundo dessa vivência humana universal.
No campo cotidiano, o luto revela-se como a dor pela interrupção de histórias e planos construídos ao longo do tempo. Quando perdemos alguém, não nos despedimos apenas da pessoa, mas também das memórias que ainda seriam criadas, dos projetos sonhados e das experiências que nunca acontecerão. Esse vazio histórico é, muitas vezes, mais devastador do que a ausência imediata, pois carrega a frustração de um futuro que jamais será vivido. Essa dimensão histórica do luto é explorada por filósofos como Walter Benjamin, que discute a importância da memória na construção de narrativas pessoais e coletivas. A morte, nesse contexto, não apenas encerra uma vida, mas também interrompe a continuidade dessas narrativas, deixando lacunas que podem ser difíceis de preencher. O luto histórico, assim, é um reflexo do desejo humano de preservar e prolongar os laços que moldam nossa identidade.
No âmbito financeiro, o luto traz desafios que muitas vezes são negligenciados em discussões emocionais. A perda de um ente querido pode significar, para muitas famílias, uma ruptura significativa na estabilidade econômica. Isso é particularmente evidente em lares onde o falecido era o principal provedor ou desempenhava um papel essencial no sustento material.
Estudos de economistas sociais indicam que o luto pode desencadear crises financeiras duradouras, especialmente entre populações de baixa renda. Os custos associados aos rituais funerários, somados à perda de renda, podem intensificar o sofrimento emocional. Essa sobrecarga transforma o luto em uma experiência ainda mais complexa, onde a dor da ausência se mistura à luta pela sobrevivência.
Esse impacto financeiro, longe de diminuir o amor ou a importância da perda, reflete a interdependência das relações humanas. Como argumenta Pierre Bourdieu em seus estudos sobre capital social e econômico, a vida em sociedade é sustentada por redes de apoio mútuo, e a ruptura de qualquer elo pode gerar consequências estruturais para os que permanecem.
No campo psicológico, o luto é uma experiência multifacetada que varia profundamente entre os indivíduos. De acordo com Elisabeth Kübler-Ross, as cinco fases do luto (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação) não são lineares e podem se manifestar de maneiras únicas em cada pessoa.
A psicologia contemporânea, entretanto, reconhece que essas fases não são universais. Estudos mais recentes, como os conduzidos por George Bonanno, destacam o papel da resiliência no enfrentamento da perda. Bonanno argumenta que muitas pessoas conseguem se adaptar ao luto de forma saudável, embora essa adaptação não signifique ausência de dor, mas a capacidade de integrá-la como parte da vida.
No entanto, é importante reconhecer que o luto pode desencadear processos psicológicos complexos, incluindo ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Essas condições são agravadas pela falta de apoio social ou pela pressão cultural para “superar” a perda rapidamente. Como resultado, muitos enlutados enfrentam um isolamento emocional que dificulta a cicatrização.
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Ao refletir sobre o luto, surgem ainda mais interrogações: será que a verdadeira aceitação da morte é possível? Como podemos aceitar algo tão definitivo, tão incontrolável, que desafia tudo o que compreendemos como finito e previsível? O luto, em sua magnitude, exige de nós um nível de desprendimento que nem sempre conseguimos alcançar, especialmente quando estamos imersos em nossas próprias expectativas e medos. Afinal, a morte, embora universal, nunca deixa de ser profundamente pessoal.
Quando nos deparamos com o luto, será que nossa dor é maior do que nossa capacidade de compreensão? E será que o amor que nutrimos por aqueles que partem pode ser suficiente para nos ajudar a transitar por essa experiência, ou somos, de fato, impotentes diante do imensurável vazio que a perda deixa? Ao nos questionarmos sobre o que realmente significa deixar ir, nos confrontamos com uma das mais profundas ambiguidades da condição humana. O luto não é só uma reação à morte; ele é também um reflexo da nossa tentativa de dar significado à vida que seguimos vivendo. Assim, a verdadeira aceitação da morte talvez resida não na compreensão plena, mas na convivência com o mistério, na busca de um equilíbrio entre a dor e a memória, entre o ir e o permanecer.
As vezes, sinto muito raiva de mim mesma, por não conseguir pintar, desenhar, ou fazer uma escultura dela, tenho medo do destino tirar ela de mim e eu esquecer dela, ainda bem que sei um pouco de palavras, imagine, esquecer seu rosto, ou não lembrar de seus cabelos escuros. Se um dia, algum infortúnio, ela partir antes, e eu não perder meu coração imediatamente, eu vou ler meus poemas, e vou lembrar para sempre